O Show de Aparências Políticas
Nesta crônica, a Câmara Municipal de “Faz-de-Contas” é retratada como um grande espetáculo: vereadores fazem discursos inflamados e selfies para a plateia, mas não movem uma palha em termos de fiscalização real — não há pedidos formais, comissões de inquérito, ofícios, debates públicos ou inspeções de obras. As inaugurações viram “ovos de Páscoa vazios”: muita aparência, mas nenhum serviço entregue. Só a vereadora Ana Clara tenta cobrar ações de verdade, mas logo o show recomeça. O texto critica essa política meramente performática e reforça que, para governar, não basta encenar: é preciso servir.
POLÍTICA MERAMENTE PERFORMÁTICA
Lisdeili Nobre
4/24/20252 min read


Naquela velha Câmara Municipal de Faz-de-Contas, toda terça-feira vira espetáculo: os vereadores sobem ao púlpito encapuzados de gravatas e discursos inflamados, ostentando a juba do pseudo-leão parlamentar. Rugem diante de uma plateia sedenta — composta por produtores de conteúdo e selfies oficiais — mas, na hora de pedir ao Prefeito relatórios, contratos ou dados públicos, a voz some.
“Olha o rugido!”, exclamam. “Sentiu o abalo na estrutura!”, garantem. Mas, por trás da ginga ensaiada, não há um único pedido formal ao Executivo; não se criou Comissão de Inquérito com poderes judiciais; jamais se convidou técnicos, especialistas ou membros do próprio governo para prestar esclarecimentos em plenário; os ofícios ao Tribunal de Contas, ao Ministério Público e aos demais órgãos de controle continuam engavetados; não se organizou debate aberto ao público e nem se inspecionou obras e repartições para verificar contratos, prazos e qualidade.
Na praça defronte ao Palácio do Faz-de-Contas, brotam dezenas de placas “Ordem de Serviço entregue”, mas ninguém comunica quando — ou se — aquilo vai funcionar. É como receber um ovo de Páscoa sem recheio: linda embalagem dourada, fitas coloridas, até coelho de pelúcia, porém, ao quebrar, nada. Ginásio novo? Só existe em foto panorâmica. Posto de saúde? Está ocupado por pó e vento. Escola reformada? Ainda sem carteiras ou quadro-negro.
Mas eis que a vereadora Ana Clara, figura rara na tribuna, levanta o olhar de quem cobra transformação de verdade. Com seu megafone de papel passado, propõe debates abertos, convoca secretários, pede audiência pública e até sugere representação ao Ministério Público. A plateia arqueia a sobrancelha e… aplaude brevemente. Logo, porém, volta ao ritual: selfies, hashtag #FiscalizaFazDeContas e, claro, novos rugidos para a plateia.
E assim segue o show de aparências políticas: um eterno teatro onde o brilho dos holofotes disfarça o vazio de serviços não entregues. Enquanto isso, nós, espectadores — e contribuintes — ficamos na esperança de que, um dia, o palco se transforme em espaço de ação de fato. Afinal, para governar, não basta performar: é preciso servir.
Sobre a autora
Lisdeili Nobre é doutoranda e mestre em Políticas Públicas, especialista em Planejamento de Cidades, docente de Direito, cronista, delegada de polícia, produtora e roteirista de TV. Sua experiência une a reflexão acadêmica e a prática da gestão pública, sempre com olhar atento à participação feminina nos espaços de poder.