No Cupim da Cultura
Quando o palco vira escritório e a cultura é engolida pelo abandono, é hora de lembrar que festa não substitui política cultural.
Lisdeili Nobre
7/13/20252 min read


Era pra ser arte. E foi, por um breve momento. O Teatro Candinha Dórea nasceu com aplausos, luzes, promessas e a assinatura firme do saudoso Fernando Gomes, que sonhava — e fez sonhar — com Itabuna na rota nacional dos grandes espetáculos. Uma casa pensada para receber o mundo, mas sem esquecer das vozes da nossa terra. O palco estava pronto. O roteiro, nem tanto.
Essa semana, o assunto voltou à boca do povo: “o cupim do Candinha”. Quem ouviu de fora achou que era praga — e, talvez, seja mesmo. Mas não é cupim de madeira. É o cupim do cotidiano, esse que vai corroendo por dentro. O teatro virou sede da FICC. Literalmente. Ocupou os camarins, os bastidores, os espaços de produção, as áreas de criação. E, assim, o lugar onde os artistas se preparam para entrar em cena virou escritório. Onde antes se sonhava com figurino, luz e som, hoje se assina papelada, digitaliza ofício, marca reunião.
Enquanto isso, a antiga sede histórica da FICC se deteriora a céu aberto. Vai sendo comida não pelo cupim, mas pelo descaso. Estrutura fragilizada, portas abertas à ação do tempo — e de quem mais quiser entrar. Traficantes, usuários, o abandono… todos ali, ensaiando cenas de um filme que Itabuna já viu e já cansou de rever.
Mas até aqui, os grapiúnas já sabem de cor. É o tipo de notícia que sempre volta, como reprise mal editada no jornal local. A oposição se levanta e aponta: Aldo Rebouças e Augusto Castro só fazem festa, não fomentam nem investem na cultura. E esse disco não vai tocar. Primeiro porque o palco da festa virou performance política. E segundo porque festa, embora necessária, não é cultura: é entretenimento. E o povo sabe a diferença.
Teve festa? Ótimo. A gente gosta, aplaude, participa. Mas agora é hora de pagar a conta da cultura. Não dá pra continuar ignorando os espaços históricos, as praças culturais entregues ao abandono, os artistas locais sem palco nem incentivo. A cidade pulsa arte. Mas precisa de gestão que enxergue isso como prioridade — não como acessório.
O prefeito Augusto organiza bem festas, ninguém nega. Mas agora precisa mostrar que sabe governar também com sensibilidade, com política pública, com projeto cultural. O povo quer o ItaPedro, sim. Mas quer também o funcionamento pleno do Candinha, da Fundação, dos grupos, das oficinas, das vozes da terra.
Porque, no fundo, é disso que se trata: cultura não se improvisa. Cultura se constrói. E o cupim — esse simbólico, invisível e político — precisa parar de devorar os bastidores da arte grapiúna.
Sobre a autora
Lisdeili Nobre é cronista, doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, mestre em Gestão Pública. Professora de Direito, Delegada de Polícia Civil e CEO da Afirmativa Consultoria, atua em planejamento estratégico para cidades inteligentes e desenvolvimento de políticas públicas.