Crônica | Por que tanto medo de Marina?

Há corpos que incomodam. Há presenças que desafiam séculos de exclusão com o simples gesto de permanecerem sentadas à mesa do poder. Marina Silva é uma dessas presenças.

VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO

Por Lisdeili Nobre Portal Afirmativa

5/29/20252 min read

Há corpos que incomodam. Há presenças que desafiam séculos de exclusão com o simples gesto de permanecerem sentadas à mesa do poder. Marina Silva é uma dessas presenças.

Filha da floresta, mulher, negra, oriunda de uma família que viveu da extração de produtos da natureza, Marina não precisou de um sobrenome tradicional para ser ouvida — mas precisou lutar muito para não ser silenciada.

E ainda luta.

Nesta semana, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou, diante das câmeras, que respeitava Marina "como mulher", mas não como ministra. Não é a primeira vez que ele destila misoginia e agressividade contra ela. Em março, declarou: “Imagine o que é tolerar a Marina 6 horas e 10 minutos sem enforcá-la?”. A ministra respondeu com sobriedade: “Com a vida dos outros não se brinca. Só os psicopatas são capazes de fazer isso.”

Mas quem Marina Silva representa? E por que ela incomoda tanto?

Marina carrega múltiplas interfaces das minorias que sempre foram empurradas para as margens da política: ela é mulher, é negra, é amazônida. Sua existência política quebra a lógica do domínio masculino, branco e urbano que ainda estrutura o Congresso Nacional. Por isso tentam separar “a mulher da ministra”, como se fossem partes destacáveis de um ser humano inteiro.

Só que mulher e ministra são indissociáveis. Marina é ambas, o tempo todo.

E se engana quem pensa que Plínio é um caso isolado. Há muitos "Plínios" disfarçados de democratas. Uns posam ao lado de mulheres nas redes sociais, outros as colocam nas chapas apenas para parecerem inclusivos e fisgar o voto feminino — afinal, somos a maioria do eleitorado. Mas, na prática, se esforçam para manter as mulheres longe das pautas centrais, das decisões de impacto, do lugar onde o poder é disputado de verdade.

Durante uma sessão no Senado, Marcos Rogério (PL-RO) exigiu que Marina "se colocasse no seu lugar". Omar Aziz (PSD-AM) disse que ela "não tinha direito" de agir com base nas leis. Mas… qual é o lugar de Marina?

O lugar de Marina é maior do que qualquer cadeira que esses senhores já ocuparam.
O lugar de Marina é nas conferências globais, nos fóruns que discutem o futuro do planeta, nos livros de história que falam de preservação ambiental e dignidade.
O lugar de Marina não é atrás, nem ao lado para enfeitar uma foto — é na linha de frente.

Respeito não se conquista com gritos no microfone. Conquista-se com coerência, legado e coragem. E isso, Marina Silva tem de sobra. Talvez por isso, tantos se incomodem.

Sobre a autora
Lisdeili Nobre é doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, mestre em Gestão Pública. Professora de Direito, Delegada de Polícia Civil e CEO da Afirmativa Consultoria, atua em planejamento estratégico para cidades inteligentes e desenvolvimento de políticas públicas. É também cronista, defensora da participação feminina na política e fundadora do blog Política: um direito de todos.