Crônica: Biquíni, Forró e o Peso de Ser Mulher no Poder

O biquíni da prefeita causou mais alvoroço que muita sessão na Câmara... Dançou forró, viralizou e dividiu o país. Mas o que realmente está em jogo quando uma mulher no poder decide ser ela mesma?

SER MULHER NO PODER

Por Lisdeili Nobre

6/8/20252 min read

Meu pai sempre dizia: “Nem oito, nem oitenta, filha. Busque o equilíbrio.” Eu tento. Mas confesso: ser mulher na política é viver numa gangorra onde o ponto de equilíbrio raramente é nosso.

A prefeita de Marituba, Patrícia Alencar, que ousou dançar forró de biquíni num vídeo privado, virou manchete involuntária. O vídeo escapou da intimidade e mergulhou no tribunal das redes sociais. Um mar de julgamentos, como sempre, afogados em dois extremos: os que querem vê-la cassada por indecência e os que a defendem como símbolo de liberdade feminina.

Como ativista da participação das mulheres na política, tenho bordões na ponta da língua. Um deles: lugar de mulher é onde ela quiser. Mas não basta repetir o mantra — é preciso encarar o paradoxo de ser tudo ao mesmo tempo: política, profissional, mãe, filha, companheira… E ainda ter que lidar com senadores da república que tentam separar “a mulher da ministra”, como se fôssemos bonecas desmontáveis.

Querem que sejamos sérias, mas sorridentes. Elegantes, mas discretas. Fortes, mas não muito. Vaidosas? Só se for num tom pastel. Não pode ser sensual, não pode ser jovem demais, nem velha demais. Que dureza!

A pergunta que nunca fazem é: e se ela fosse um homem? O tal vídeo seria só mais uma dancinha viral no TikTok? Um "político descontraído", um "prefeito descolado"? Provavelmente, sim. Mas como é mulher, o biquíni vira prova de incompetência, a dança vira desonra, e o corpo vira argumento para deslegitimar sua presença no poder.

Lembro de Sanna Marin, primeira-ministra da Finlândia, acusada de “não ser séria” por dançar em uma festa com amigos. Seu crime? Se divertir. Sua defesa? A mais honesta possível: “não tenho nada a esconder”. Nem ela, nem Patrícia. O que querem esconder são os padrões duplos que nos cercam.

Sim, é preciso decoro no exercício de funções públicas. Sim, representamos algo maior. Mas será que isso significa apagar quem somos? Será que para sermos respeitadas precisamos ser sempre neutras, neutras até da nossa alegria?

Parafraseando Fernanda Montenegro, quando lhe perguntaram quando era feliz, ela respondeu com firmeza: “quando consigo ser eu mesma”. E é só isso que queremos: sermos nós mesmas, inclusive no biquíni, inclusive no forró, inclusive no gabinete. Porque no fim das contas, a dança que mais nos exige equilíbrio é essa: a de sermos mulheres e líderes num mundo que ainda estranha essa combinação.