"A estética da humilhação acabou: nasce o eleitor exigente"

A era do assistencialismo eleitoral está ruindo — o povo quer direitos garantidos, não favores distribuídos com holofotes.

Por Lisdeili Nobre

6/20/20252 min read

O Fim dos Pais dos Pobres

Por décadas, o Brasil se acostumou com uma figura peculiar no palco político: o famoso “Pai dos Pobres”. Prefeito, governador ou presidente, não importava. O figurino era sempre o mesmo: uma mistura de generosidade performática com salvador da pátria em época de eleição. Sua maior especialidade? Distribuir peixe na Semana Santa, colchão nas enchentes e abraços públicos ao lado de crianças descalças. De preferência com uma câmera por perto.

Essa política baseada em favores — e não em direitos — transformou a pobreza em cenário fixo da propaganda. Em vez de investir em creches, saneamento, escolas de tempo integral, drenagem e acesso ao crédito, preferia-se garantir o básico na base do “jeitinho”. Não raro, quem ousasse reclamar era acusado de ingrato. Afinal, “o prefeito ajudou tanto…”

Mas por que esse modelo resistiu por tanto tempo?

A resposta está nas rachaduras do próprio sistema. A falta de informação sobre direitos, a fragilidade das instituições de controle, o uso da máquina pública como extensão da vontade do gestor e o culto à figura do “homem forte” que resolve tudo com um telefonema, um caminhão-pipa ou uma assinatura no papel timbrado. Criou-se uma cultura onde o favor valia mais que a política pública. E onde a gratidão era moeda eleitoral.

Só que os tempos mudaram. E com eles, o povo também.

Com o avanço da internet, das redes sociais e da consciência de cidadania, muita gente passou a entender que não deve agradecimento a prefeito por ter água encanada ou rua asfaltada. Que isso não é bondade — é obrigação. Hoje, o eleitor quer saber quanto custou a obra, por que atrasou, quem foi contratado. A selfie da entrega virou protocolo. O que se exige agora é transparência.

Além disso, o favor não constrói futuro. Distribuir colchões em meio à lama só reforça a ideia de que o pobre deve se contentar com migalhas enquanto o problema estrutural continua lá, ano após ano. As novas gerações querem outra coisa: querem dignidade. Querem políticas duradouras que impeçam a tragédia de se repetir a cada chuva. Querem oportunidades, não caridade.

E mais: os empreendedores da periferia cansaram de pedir permissão. Mulheres que vendem de comida a moda, jovens que digitalizam negócios, famílias que criam renda com o que têm — essas pessoas querem acesso a crédito, infraestrutura urbana, capacitação e conexão com o mercado. Não querem o “jeitinho” para conseguir um espaço na feira. Querem uma política pública que funcione.

Até a foto mudou. Se antes aparecer com a cesta básica era motivo de orgulho, hoje é motivo de vergonha. Ninguém quer ser lembrado como o “agradecido do colchão molhado” ou o “da marmita da enchente”. A estética da humilhação perdeu espaço para a narrativa da indignação. E a palavra da vez é dignidade.

Sim, o tempo dos “pais dos pobres” está acabando. Porque os pobres cresceram, estudaram, empreenderam, se organizaram e agora exigem ser tratados como cidadãos. Não querem mais tapinha nas costas nem promessas vazias. Querem respeito, serviço público e futuro.

O ciclo do assistencialismo como moeda política está se esgotando. E quem insistir em posar de salvador vai perceber que o povo já não quer salvador nenhum — quer solução.